Veja o que se sabe sobre a investigação de falsificações em registro de vacinas

Florys Arutzman
Florys Arutzman

Polícia Federal investiga ação do que classificaram como associação criminosa; depoimentos serão colhidos

A Polícia Federal (PF) investiga a ação de uma associação criminosa que teria feito registros falsos de doses contra a Covid-19 no sistema do Ministério da Saúde para diversas pessoas, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seu ex-ajudante de ordens Mauro Cid.

Conforme pontuado pela corporação, o tenente-coronel teria iniciado o esquema para forjar um certificado físico de vacinação para Covid-19 para sua esposa.

Entretanto, a investigação destacou que a estrutura criminosa se consolidou no tempo, passando a ter a “adesão de outras pessoas, atuando de forma estável e permanente para “inserir dados falsos de vacinação contra a Covid-19 em benefício do então Presidente da República Jair Messias Bolsonaro”, sua filha e outras pessoas.

Cid foi preso e levado à sede da Polícia Federal (PF) na manhã desta quarta-feira (3) pela Operação Venire. A decisão foi expedida pelo STF no âmbito do inquérito das milícias digitais.

“A presente investigação, conforme destacado pela Polícia Federal, identificou a constituição de uma associação criminosa para consecução de um fim comum, qual seja, a prática dos crimes de inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas SI-PNI e RNDS do Ministério da Saúde”, pontua Moraes.

Veja o que se sabe sobre os supostos registros de vacinação falsos:
Busca e apreensão
Na manhã desta quarta-feira (3), policiais federais foram até a casa onde o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) mora com Michelle Bolsonaro no Jardim Botânico, em Brasília. Lá, o celular do ex-chefe de Estado foi apreendido.

As ações fazem parte da Operação Venire, que investiga a prática de crimes na inserção de dados falsos sobre vacinação contra Covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde (sistemas SI-PNI e RNDS).

A constatação sobre possível fraude aconteceu após a Controladoria-Geral da União (CGU) solicitar dados sobre vacinação de Bolsonaro à pasta da Saúde.

Também foram presos assessores de Bolsonaro que trabalhavam no Planalto na administração passada, além do secretário municipal de Governo da cidade de Duque de Caxias (RJ), João Carlos de Sousa Brecha.

Foi na cidade carioca que foram registrados os dados de vacinação de Jair Bolsonaro e da esposa de Mauro Cid, por exemplo. A investigação aponta que os dados são adulterados.

No total, foram cumpridos seis mandados de prisão e 16 de busca e apreensão. Eles estão no âmbito do inquérito das milícias digitais, do STF.

Entre os alvos de buscas está o deputado federal Gutemberg Reis (MDB-RJ), irmão do ex-prefeito de Duque de Caxias e atual secretário estadual de Transportes do governo de Cláudio Castro, Washington Reis.

A polícia aponta que haveria indícios de que o deputado federal também foi beneficiado no esquema. Assim, foi necessário requisitar autorização do Supremo para a operação.

Mauro Cid
Ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid foi preso nesta quarta-feira (3) pela Polícia Federal. O depoimento à PF, porém, foi adiado, pois os advogados não tinham acesso à decisão do Supremo.

O ex-presidente também iria depor nesta quarta-feira, mas a defesa pediu o adiamento, alegando não ter tido acesso ao processo e acusações. Moraes, entretanto, retirou, na tarde desta quarta, o sigilo do processo.

Na casa de Cid, foram apreendidos US$ 35 mil e R$ 16 mil. Ele teria, inicalmente, procurado maneiras de forjar o registro de vacinação para sua esposa. Entretanto, as autoridades pontuam que a associação criminosa teria crescido e se estabelecido, fazendo registro falso para Bolsonaro.

A Polícia Federal solicitou à Secretaria de Governo Digital os dados relacionados a acessos ao sistema ConecteSUS, no qual é possível gerar os certificados de vacinação, do usuário de Jair Bolsonaro. Foram verificados três acessos, nas datas de 22, 27 e 30 de dezembro de 2022, às vésperas de sua viagem para os Estados Unidos.

Os dois primeiros foram feitos com o endereço de IP pertencente à Presidência da República, cadastrado no Palácio do Planalto. O terceiro, porém, foi feito pelo aparelho celular de Mauro Cesar Barbosa Cid.

Ele também esteve envolvido no caso das joias avaliadas em R$ 16,5 milhões que Bolsonaro teria recebido ilegalmente. O ajudante de ordens do ex-presidente foi o primeiro a ser escalado para resgatar pessoalmente joias e relógio de diamantes. Saiba quem é o tenente-coronel Mauro Cid através desta matéria.

Conhecimento e anuência de Bolsonaro
No parecer da Procuradoria-Geral da República, a vice-procuradora Lindôra Maria Araujo se refere à representação da PF e declara que Cid teria agido sem o conhecimento de Bolsonaro.

Entretanto, o ministro Alexandre de Moraes confronta o entendimento de Araujo, manifestando a necessidade de busca e apreensão na casa de Bolsonaro.

“No atual estágio da investigação criminal, entretanto, não se demonstra crível a afirmação da Procuradoria-Geral da República de que “MAURO CESAR BARBOSA CID teria arquitetado e capitaneado toda a ação criminosa, à revelia, sem o conhecimento e sem a anuência do ex-Presidente da República JAIR MESSIAS BOLSONARO”, mesmo tendo reconhecido a existência de comprovação da materialidade da inserção de dados falsos de JAIR MESSIAS BOLSONARO e sua filha no sistema do
Ministério da Saúde (ConecteSus).”

CGU confirmou registro de vacinação de Bolsonaro contra Covid
O ministro da Controladoria-Geral da União Vinícius de Carvalho confirmou, durante entrevista à CNN em fevereiro de 2023, haver registro de vacinação contra a Covid-19 de Bolsonaro.

À época, Carvalho confirmou a existência de uma troca de ofícios entre a CGU e o Ministério da Saúde questionando se Bolsonaro teria recebido uma dose da vacina Janssen no dia 19 de julho de 2021. Isso também é investigado pela Controladoria.

“Esse registro existe. Pelo menos pelo que a gente sabe das informações. Se isso está em ofício da CGU, a CGU não faz uma pergunta à toa. Se esse registro está em um ofício da CGU, eu não tenho como negar”, afirmou Carvalho na ocasião.

Em 13 de março, a CGU decidiu retirar o sigilo do cartão de vacinação do ex-presidente. À época, o órgão informou que as informações seriam somente divulgadas após o encerramento da investigação sobre suposta inserção de dados falsos no sistema do Ministério da Saúde.

Ida aos Estados Unidos
O ex-presidente foi aos Estados Unidos antes do fim de seu mandato, não participando da passagem da faixa presidencial.

Perguntado durante coletiva de imprensa nesta quarta, o vice-porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Vedant Pat, disse que não iria comentar casos específicos, mas que, na época em que Bolsonaro viajou para os EUA, a vacinação seria obrigatória.

Bolsonaro pontuou, entretanto, que nunca lhe foi requisitado comprovante de vacinação em viagens, e sua defesa ressaltou que ele só teria entrado em países que “aceitassem tal condição” ou que pudesse ingressar apenas com a realização de um teste para a doença.

Condutas ilícitas identificadas
Entre as condutas ilícitas identificadas pela Polícia Federal que foram listadas na decisão de Alexandre de Moraes está falsificação de carteira de vacinação emitida pela Secretaria de Saúde do Estado de Goiás e tentativa de inserção de dados falsos em sistemas do Ministério da Saúde.

Além disso, também houve, segundo as autoridades, falsificação de carteira de vacinação emitida pela Secretaria de Saúde de Duque de Caxias (RJ) e inserção de dados falsos em sistemas do Ministério da Saúde para a esposa de Mauro Cid.

Ela também teria saído três vezes do Brasil após a inserção de dados falsos nos sistemas da pasta, todas para os Estados Unidos, caracterizando uso de documento falso.

Outros registros falsos apontados na decisão de Moraes seriam para Mauro Cid e outras três pessoas, sendo investigado possível crime de uso de documento falso e corrupção de menores.

A PF também apurou inserção de dados falsos nos Sistemas do Ministério da Saúde para Jair Bolsonaro, a filha do ex-presidente e outras pessoas, sendo investigado possível crime de uso de documento falso.

Outros envolvidos
Alexandre de Moraes também determinou que a PF colha depoimentos de dois profissionais da saúde que teriam aplicado vacinas contra a Covid-19 no ex-presidente Jair Bolsonaro, segundo os registros que teriam sido adulterados.

Segundo o ofício da PF, um dos profissionais, Diego, teria aplicado uma dose da vacina contra a Covid-19, da fabricante Pfizer-Cominarty, na data de 13 de agosto de 2022 em Duque de Caxias, no Centro Municipal de Saúde de Duque de Caxias (RJ).

A outra profissional, Silvana, teria dado a vacina da mesma fabricante no dia 14 de outubro de 2022, no mesmo local.

Ailton Gonçalves Moraes Barros, de 61 anos, ex-candidato a deputado estadual pelo PL no Rio de Janeiro em 2022 e ex-major do Exército, foi preso. Durante a campanha eleitoral do ano passado, Barros se intitulava como o “01 de Jair Messias Bolsonaro”.

A filha do ex-presidente também teve dados adulterados, conforme indica a investigação.

Outro lado
O ex-presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta quarta-feira (3), enquanto deixava sua casa no Jardim Botânico, que a operação da PF foi feita para “esculachar”, que nunca pediram para apresentar o cartão de vacinação para entrar nos Estados Unidos e que não se vacinou. Ele também negou adulteração no cartão de vacinação.

“Nunca me foi pedido cartão de vacina em lugar nenhum. Não existe adulteração da minha parte”, disse.

Ele afirmou que a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro teve o cartão de vacina fotografado pelos policiais. Ela se vacinou nos Estados Unidos, em 2021. A filha do casal, que tem 12 anos, também não teria se imunizado, segundo o ex-chefe de Estado.

Michelle, por sua vez, se manifestou pelas redes sociais e destacou que não sabiam o motivo da operação, reforçando que apenas ela teria se vacinado.

Na noite desta quarta-feira (3), a defesa de Bolsonaro, representada por Fabio Wajngarten e Paulo Cunha Bueno afirmou que “não haveria qualquer motivo” para a prática. Também não descartaram hipótese de hackeamento de registro de vacina de Bolsonaro.

Bueno também ressaltou que é de interesse que o depoimento aconteça “o quanto antes”.

Valdemar Costa Neto, presidente do PL, também saiu em defesa de Bolsonaro, pontuando que ele é uma pessoa “íntegra” e “procurava sempre seguir a lei”.

A defesa do tenente-coronel Cid afirmou que ainda não teve acesso ao inquérito, “que é físico e sigiloso”. “Vamos declarar assim que obtivermos a cópia dos autos”, complementam. Sobre o dinheiro apreendido, não retornaram.

A CNN tentou contato com João Carlos Brecha, o Exército, Marcelo Siciliano, a Polícia Militar do Rio de Janeiro, a Controladoria-Geral da União, a embaixada dos Estados Unidos, o Departamento de Estado dos Estados Unidos, o Ministério da Saúde, Marcelo Costa Câmara e Luis Marcos dos Reis, mas não obteve retorno até o momento.

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